Qualidade do leite: Influência do rendimento de fabricação

Quando o assunto é qualidade no leite para industrialização e transformação em derivados lácteos, percebemos ainda um certo ceticismo, cercado por muitos tabus. É bem verdade que esse assunto vem se tornando aos pouco alvo de discussões nas reuniões estratégicas dentro do ambiente industrial, sendo colocado de forma importante como retorno econômico em um ambiente extremamente competitivo e oneroso como o mercado lácteo. Mas, sem dúvidas precisa avançar, e com intensidade, para que toda a cadeia leiteira, desde a sua matriz no campo, possa ter a noção exata de quão importante é essa questão, e o quanto pode oxigenar nosso processo produtivo.

É preciso entendermos que a qualidade da matéria-prima é ponto fundamental na qualidade do produto final e não o elo fraco nas discussões estratégicas, os departamentos que compõem o ambiente industrial precisam unir forças e trabalharem juntos em busca dos melhores resultados. Como já ouvimos certa vez: “De um leite bom, podemos fazer um queijo ruim… de um leite ruim, não conseguimos fazer um queijo bom!”. Essa máxima que nos é passada quando encontramos professores e mestres queijeiros é fundamental para sabermos o quanto a qualidade do leite pode influenciar no produto final, principalmente no seu rendimento.

Composição do leite

O leite é um produto vivo e praticamente perfeito em seus de constituintes e valores nutricionais, o que certamente o torna um produto muito concorrido pela grande gama de bactérias e demais microrganismos, bem como muito susceptível à vários tipos de inibidores de fermentação, entre eles antibióticos, bacteriocinas, fagos, entre outros.

A maioria desses inibidores, ou são provenientes de má qualidade no trato animal, ou má qualidade na hora da ordenha. A saúde do animal e a higiene são fundamentais para a melhor qualidade do leite obtido e várias análises laboratoriais dentro dos laticínios pode nos dizer como está o estado dessa matéria-prima.

Falaremos de alguns desses aspectos e sua influencia na qualidade do produto final e no rendimento de fabricação.

 

ANTIBIÓTICOS

Com certeza um grande drama para produção de derivados lácteos, não precisaria nem ser discutido se levarmos em consideração o aspecto legal, mas vale lembrar o quanto que esses resíduos podem ser prejudiciais para a fabricação de queijos, uma vez que eles destroem as bactérias do fermento não permitindo que as mesmas trabalhem para entregar as características que desejamos nos produtos. Além do mais são extremamente resistentes ao tratamento térmico, permanecendo no produto durante um bom tempo.

 

Ao inibirem a atividade bactéria impactam diretamente no produto, sua qualidade e seu rendimento. Sem contar no aspecto de saúde humana, onde esses resíduos podem gerar uma série de reações alérgicas e resistências a futuros tratamentos.

 

BACTERIÓGAFOS (FAGOS)

São hospedeiros das bactérias, verdadeiros inimigos da fabricação de derivados lácteos fermentados (queijos e iogurtes). Ao se associarem a uma cepa bacteriana faz com que essa mesma passe a reproduzir novos fagos e não mais novas bactérias.

O resultado prático disso é o famoso “travar fermento”, ou seja, se não há multiplicação bacteriana, não há queda de pH e não há fermentação, ocasionando perda fundamental de qualidade e fundamentalmente no rendimento de fabricação, já que a massa seca, perde umidade e não atinge o ponto necessário.

A melhor forma de evitarmos esse hóspede indesejável é higienizar bastante a fábrica e aplicar a rotação de culturas confirme orientação dos fornecedores.

 

CONTAGEM DE CELULAS SOMÁTICAS

A contagem de células somáticas (CCS) talvez seja o fator de mais importância relacionado com o rendimento e qualidade do queijo, porém, é muito pouco abordada e por muitas vezes até descartada em assuntos que tratam a qualidade do leite e até em políticas de pagamento de qualidade do leite. Sua importância se dá principalmente pelas alterações de composição e de aumento de atividade enzimática. Diversos estudos científicos descrevem que o uso de leite com alta CCS para a fabricação de queijo pode resultar em inúmeras e maléficas consequências como a perda de sólidos no soro, má formação na coalhada, aumento do tempo de coagulação entre outras.

Esse gráfico é um convite a matemática:

1000 litros de leite abaixo de 400 mil células/ml, produzem 105,04 kg de queijo a R$ 12,00 = R$ 1.260,00;

1000 litros de leite acima de 700 mil células/ml, produzem 91,49 kg de queijo a R$ 12,00 = R$ 1.097,89.

 

CONTAGEM BACTERIANA TOTAL

Outro fator de extrema importância é a quantidade bacteriana inicial do leite e também aquelas que estão presentes em todo processo produtivo. Essas bactérias vão entrar no processo competindo pelo mesmo alimento (lactose) que o cultivo selecionado, produzindo em muitos caso ácido lático também, porém, o tempo de produção e a consequência dessa fermentação é que tornam esse um problema extremamente grave e complicado, uma vez que essas bactérias ao se reproduzirem produzem proteases que degradaram a proteína formando peptídeos que darão origem a maior perda de finos no soro, formação de sabor amargo e modificando as características do produto final.

Uma boa política de campo, bem como higienização constante dentro da fábrica são imprescindíveis para mantermos essas cargas bacterianas em níveis baixos.

 

COMPOSIÇÃO DO LEITE

Talvez o grande desafio das industrias em parceria com o campo seja obter uma matéria-prima. Aumentar os sólidos do leite, principalmente as caseínas, que é a fração coagulável pelo coagulante e que ao formar uma rede (paracaseinato de cálcio) “aprisiona”, em diferentes proporções, os demais elementos do leite, como gordura, lactose, sais minerais, etc. é de fundamental importância para se ter melhor rendimento de fabricação.

Para se ter uma ideia, a caseína gira em torno de 77% do valor da proteína total do leite e se apresenta em torno de 2,5% sobre o volume total de leite (embora no Brasil a média pode se apresentar mais baixa em torno de 2,2%) e o impacto de seu pequeno aumento pode representar um enorme ganho como no exemplo abaixo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem sombra de dúvidas, termos bons rendimentos e qualidade do produto final e excelência em processo passa por entender o que importa fundamentalmente na política de campo. Monitorar os parâmetros que são realmente relevantes para a produção de queijos (caseína, CCS, periodicidade de coleta, contagem bacteriana) significa traduzir dados e trazer o produtor para mais perto da indústria. Lembrando que a operação logística da coleta de leite também é um aspecto de grande relevância.

O pagamento de leite por qualidade, se valendo dos valores acima pode ser uma grande ferramenta para permitir essa aproximação.

Trabalhar com informações precisas também é extremamente importante para não termos dados dispersos e dúbios. Utilizar e, sobretudo, interpretar os dados de análise para que gerem informações úteis nos fará ter o domínio de toda a situação que envolve o processo produtivo.

Por fim, a higienização e treinamentos se dão de forma fundamental para redução dos níveis de bacteriófagos e carga bacteriana garantindo menores perdas operacionais e melhores qualidades do produto final.

 

 

Fonte: Elaborado por Gláucio Perobelli

A Carragena na Indústria de Carnes

A carragena é um dos ingredientes mais utilizados na indústria cárnea. Com aplicações variadas, esse ingrediente é comumente usado para auxiliar na retenção de líquidos e diminuição de quebras das mais diferentes categorias de produtos, como presuntos, cortes temperados, mortadelas, bacon e salsicha. (DINON; DEVITTE, 2011)

Por mais que a indústria se refira ao produto generalizando-o como “carragena”, existem diversos tipos como kappa, iota, lambda, alga euchema processada e até mesmo algumas misturas. O conhecimento da diferença entre esses itens é essencial no momento de escolher a carragena ideal para se aplicar em um produto cárneo, pois cada uma agregará diferentes características finais. Como exemplo, tem-se que algumas possuem a função de aumentar a força de gel, enquanto outras auxiliam na solubilidade em frio.

No Brasil, é muito comum confundirmos as carragenas com alga euchema processada pela sua similaridade, porém são produtos com diferenças nos processos e com aplicações variadas.

 

O QUE É CARRAGENA?

Carragena é um hidrocolóide de ésteres de galactose e copolímero de 3,6-anhidro-galactose. Elas são encontradas naturalmente nas algas marinhas, que passam por um processamento para que se extraia esse composto. (PENNA, 2002)

As carragenas são encontradas em algas de água quente e de água fria. As algas de água quente são cultiváveis, encontradas principalmente no sudeste asiático e são chamadas de algas vermelhas (família Rhodophyceae). Essas algas crescem durante dois meses amarradas em uma corda, recebendo luz e correntes leves de água. (ZÓIA, 2011)

cultivo de algas de água quente

Figura 1: cultivo de algas de água quente. (MOZART, 2021)

As carragenas de água fria são chamadas de “selvagens”, já que não são cultiváveis, crescendo em correntes de água fortes e ocorrendo naturalmente em países como Espanha, Marrocos, Chile e Peru. Sua colheita é anual, feita manualmente, e suas características são afetadas pelas mudanças climáticas.

Figura 2: colheita de alga. (XINHUA, 2018)

Nos espaços intersticiais dessas algas, entre as fibras de celulose, encontra-se as carragenas. Assim, as algas passam por um processamento até a extração desse composto.

 

PROCESSAMENTO DAS ALGAS – EXTRAINDO A CARRAGENA

Depois que as algas marinhas são colhidas, elas são submetidas a um processo de secagem até chegarem a um nível de umidade de 35 a 40%. A partir daí,  são higienizadas, passam por um tratamento alcalino e são cozinhadas. Após seu cozimento, o líquido é filtrado e ocorre a precipitação em álcool. Esse precipitado é seco e moído, obtendo-se a carragena.

A diferença de produção entre carragena e alga Euchema processada se dá exatamente nesse processamento. Ao invés de seguir todas essas etapas, para se produzir a alga Euchema basta realizar a limpeza das algas, o tratamento alcalino, uma lavagem, secagem e moagem. O esquema a seguir explicita essas diferenças de forma mais clara.

fluxograma de produção de carragena e alga Euchema processada.

Figura 3: fluxograma de produção de carragena e alga Euchema processada.

Devido à diferença de produção, a carragena acaba tendo uma pureza maior. Isso é explicitado na diferença de coloração, pois a alga euchema processada acaba adquirindo uma cor amarelada, enquanto a carragena apresenta-se transparente. Na prática, ambas podem ser bem aproveitadas na aplicação em produtos cárneos, conforme a necessidade.

 

PROPRIEDADES

De forma geral, as principais propriedades que as carragenas possuem são:

– solubilidade: todas são solúveis em água, mas apenas algumas em frio.

– viscosidade: todas aumentam a viscosidade

– formação de gel: após solubilizar em água, o gel é formado ao resfriar

– emulsão: as carragenas são agentes emulsificantes, capazes de emulsionar óleo em água

A maioria das carragenas precisa de alta temperatura para ser solubilizada. Depois de solúveis, elas podem formar gel a partir de um resfriamento. Se forem aquecidas novamente, o gel pode ser desfeito: é a termoreversibilidade. (ADAMANTE; MINOSSO, 2012)

A estrutura molecular da carragena determina seus 3 tipos principais: kappa, iota e lambda. O gel formado pela carragena kappa é mais rígido e possui tendência de sinerese, enquanto os géis de iota são mais elásticos. Assim, na hora de escolher a carragena ideal é necessário identificar qual a característica desejada no produto final.

Carragenas do tipo kappa possuem maior força de gel e menor solubilidade a frio, enquanto a lambda é ao contrário. Essa diferença estrutural é dada conforme o número de grupo sulfato, conforme esquema a seguir. (HAYASHI, 2001)

Tipos de carragena

Figura 4: tipos de carragena

 

APLICAÇÕES EM PRODUTOS CÁRNEOS

A carragena e alga euchema processada são aplicadas em produtos cárneos injetados, tambleados, emulsionados, frescos e marinados. As principais vantagens de sua aplicação são:

– redução de perdas por sinérese;

– aumento do rendimento;

– maior coesão;

– melhoramento da fatiabilidade;

– redução de custo;

– melhoramento da textura.

Na hora de escolher a melhor carragena, deve-se considerar a estrutura de cada uma, conforme mencionado acima. Se o desejo é elaborar um presunto e o objetivo é ajustar sua firmeza, melhorar o fatiamento e controlar a sinérese após o cozimento, indica-se uma carragena/alga euchema processada do tipo kappa, iota ou uma combinação entre as duas. Certamente, a iota será a que menos apresentará perdas de líquido, porém a mistura com a kappa pode ser importante para uma textura mais coesa.

No caso de produtos emulsionados como salsicha e mortadela, indica-se a alga euchema processada (por geralmente ter um custo mais acessível) e do tipo kappa, para maior coesão da fatia e pela sua firmeza em frio. Nada impede o uso de uma carragena comum, isso tudo depende do custo benefício a ser atingido.

Em produtos frescos marinados, a indicação é de uma carragena ou alga euchema processada do tipo iota, pois teremos uma melhor funcionalidade a frio e redução de perda por gotejamento.

 

LEGISLAÇÃO

De acordo com a RDC 272/19 que regulamenta o uso de aditivos em produtos cárneos, a carragena e a alga euchema processada (PES) recebem sua limitação de uso conforme o produto. No caso, a carragena recebe o INS de número 407, enquanto a alga euchema é identificada por 407a. (ANVISA, 2019)

 

Produto INS Nome do aditivo Limite máximo (g/100G)
Industrializados frescos

 

Carnes in natura

407 Carragena 0,3
407a Alga euchema processada 0,3
Salgados Cozidos

 

Indsutrializados Cozidos

407 Carragena 0,5
407a Alga euchema processada 0,3
Conservas e semiconservas cárneas e mistas 407 Carragena 0,3
407a Alga euchema processada 0,3

Tabela 1: limitação do uso de carragena e alga euchema segundo a RDC 272/19. (ANVISA, 2019)

 

O uso de carragena e alga euchema processada não está permitido em produtos industrializados secos, salgados/salgados crus e em produtos cárneos desidratados.

 

CONCLUSÃO

Independente do tipo de carragena a ser utilizado, esse é um ingrediente que pode trazer inúmeros benefícios para o produto cárneo, sendo largamente empregado na indústria de alimentos. A LC Bolonha conta com todos os tipos de carragena citados acima. Para saber qual seria a carragena mais indicada para o seu caso, entre em contato conosco.

 

REFERÊNCIAS

ADAMANTE, D.; MINOSSO, N.. Avaliação da viscosidade de carragenas comerciais. 2012. 50 f. TCC – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2012.

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC Nº 272 de 14 de março de 2019 .  Estabelece os aditivos alimentares autorizados para uso em carnes e produtos cárneos. Março, 2019.

DINON, S.; DEVITTE, S. L.. Mortadela adicionada de fibras e com substituição parcial da gordura por carragena e pectina. 2011. 47 f. TCC – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2011.

HAYASHI, L. Extração, teor e propriedades de carragena de Kappaphycus alvarezii Doty ex P. Silva, em cultivo experimental em Ubatuba, SP. Dissertação de Mestrado – Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Departamento de Botânica. São Paulo, 2001.

MOZART. Macroalgas: A espécie Kappaphycus alvarezii – Cultivo e Aplicações. Algas Tech. Disponível em: https://algastech.com.br/macroalgas-a-especie-kappaphycus-alvarezii-cultivo-e-aplicacoes/. Acesso em: 14 mai. 2021.

PENNA, B. B. L. A. Hidrocolóides: usos em alimentos. Food Ingredients; n.17; p. 58-63, 2002.

REIS, R.P.; BASTOS, M.; GOÉS, H.G. Cultivo de Kappaphycus alvarezii no litoral do Rio de Janeiro. Panorama da Aquicultura, 2007.

XINHUA. Alga marinha entra na época de colheita. Xinhua. 2018. Disponível em: http://portuguese.xinhuanet.com/2018-05/18/c_137188220_5.htm. Acesso em: 14 mai. 2021.

ZÓIA, D. As gomas exudadas de plantas. Food Ingredients Brasil, p. 26, n 17, 2011.